No Brasil, temos 40 milhões de alunos. Ou seja, um quinto da população está na escola. Somos a sexta maior economia do mundo, mas na educação, estamos em 88º lugar. Os professores ganham mal e os alunos não gostam das aulas. Por que tem que ser assim?
“A gente tem no Brasil uma tendência de arrumar culpado. E quando você vai no fundo, cadê o culpado? O culpado morreu há 30 anos e você está oprimido por aquele culpado. A gente tem que tomar conta do Brasil”, afirma Viviane Mosé, filósofa.
Algumas escolas já começaram a tomar conta do Brasil. O Fantástico pesquisou e encontrou escolas públicas em áreas pobres que possuem uma educação com qualidade de primeiro mundo, com médias melhores que as de escolas particulares e aprovando a maioria dos alunos no vestibular.
“Nós chegamos a ter instantes dentro dessa escola que tínhamos que expulsar os alunos, no bom sentido. Aqui parecia que era o melhor lugar. O menino estudava de manhã, mas ele queria ficar à tarde, queria ficar à noite, queria passar a madrugada estudando, porque aqui ele se sentia bem”, conta Narjara Benício, diretora regional.
A equipe do Fantástico viajou 12 mil quilômetros pelo Brasil, visitou escolas, conversou com pais, alunos, professores, especialistas na área de educação e com pessoas que vieram de escolas públicas.
Na série Educação.doc , viaje com o Fantástico e descubra o segredo dessas escolas públicas de alta qualidade.
O primeiro destino é Cocal dos Alves, no Piauí, uma pequena cidade, de economia rural, em um dos estados mais pobres do Brasil. Lá, a escola Augustinho Brandão já acumula dezenas de medalhas em Olimpíadas de Matemática e Química, e prêmios nacionais de astronáutica, astronomia e física. No Enem, está acima da média nacional.
“Em 2010, a escola aprovou todos os alunos que fizeram o vestibular. Todos”, destaca Aurilene Vieira, diretora.
“Se o pessoal se conscientizasse que a educação pode transformar, ia acontecer uma grande diferenciação. E foi o que aconteceu nesse colégio. Conscientizar tanto alunos quanto professores”, diz Franciele de Brito, aluna.
“Eu ouvi a vida toda que a educação pública é uma educação de péssima qualidade. Cresci ouvindo isso. E eu faço de tudo para mudar essa realidade. Eu acredito na escola pública. Não é possível que não dê certo em um país tão lindo, tão cheio de diversidades culturais, tão rico, não tem por que a educação não dar certo”, afirma Socorro Vieira, professora.
A mudança em Cocal dos Alves começou em 2003, quando a diretora Narjara e um grupo de professores receberam a missão de abrir a primeira escola de ensino médio da cidade.
“Aqui, nesse início de trabalho, vivenciamos as situações mais adversas que o público possa imaginar, de falta de tudo. Mesmo assim o trabalho aconteceu. Quando aconteceu, os apoios, aquilo que já era para estar sendo fomentado naturalmente, aconteceram”, revela Narjara Benício, diretora regional.
Para abrir a escola era necessário que os professores fizessem uma especialização na universidade. E isso foi feito.
“Na tentativa de ingressar os professores na universidade, tivemos nossos primeiros embates políticos. Aconteceu que no primeiro ano, nos esforçamos bastante para que todas as pessoas que ingressassem por Cocal dos Alves, para estar no ensino superior, fossem de Cocal dos Alves. E para isso, eu tive que fazer uma loucura. Porque aí tem: ‘Ah, queria beneficiar o fulano da cidade vizinha, porque é meu parente ou meu colega’. E eu tive meu primeiro embate. Disse: ‘Olha, eu não permito isso’. Se são os recursos de Cocal dos Alves que estão sendo usados, é para beneficiar o pessoal de Cocal dos Alves. E para isso tive que esconder papel timbrado, para não darem nenhuma declaração para as pessoas que não eram de Cocal dos Alves. Queriam fazer uma ‘farrinha’ com as declarações para aproveitar as vagas. Aí, foi minha primeira briga”, lembra a diretora.
Depois que ela conseguiu enfrentar o sistema e formar um grupo de professores de Cocal dos Alves, eles se reuniram e fizeram um pacto para tentar fazer uma escola de qualidade que conseguisse colocar os alunos nas melhores faculdades da capital do estado, Teresina.
“Nosso maior desafio foi fazer os alunos acreditarem nisso. Alunos filhos de pais analfabetos, da roça, que só tinham o que comer, que só dava para o sustento, a roupinha ruim. Então para fazer esses meninos viajarem nesse sonho, de que era possível sem ter dinheiro, sem ter uma roupa boa, ir lá para Teresina, para a capital, estudar lá. Foi necessário o sonho. Acreditar no sonho. Quando a gente conseguiu fazer esse povo acreditar mesmo que era possível estudar fora, se formar e mudar de vida, pronto. O aluno entra na escola Augustinho Brandão e já começa a sonhar: ‘o que eu vou querer ser?’”, afirmou Aurilene Vieira, diretora.
“Eu não vejo uma missão maior para a escola do que compartilhar esse conhecimento para que a pessoa consiga encontrar o lugar dela no mundo. Então, a escola, sim, é a grande mola propulsora que empurra as pessoas para a direção do sonho delas”, destaca Emicida, músico que estudou em escola pública.
Os alunos criaram um jornal que é distribuído por toda a cidade.
“Nós percebemos a necessidade de trazer a notícia para o povo”, diz uma das estudantes que criam o ‘Jornal Social’.
“Não tem nenhum intelectual que pode sentar, por mais genial que seja, e dizer: ‘eu sei a saída para a educação brasileira’. Porque não tem uma saída. São muitas. É assim que eu faço o diagnóstico, não só da educação, mas da sociedade. Tudo está no chão. Algumas coisas muito interessantes começam a brotar de modo novo, corajoso”, afirma Viviane Mosé.
“A escola tem recebido caravanas e caravanas com estudantes e estudiosos da educação para saber o que acontece aqui. Eu digo: ‘não precisa não’. Basta que cada um faça o seu papel e faça isso com engajamento. Seja professor que você quer ser professor e não porque lhe falta opção na vida. Seja gestor porque você quer conduzir aquela escola proporcionando o melhor para o aluno, e não porque você quer fugir de uma sala de aula. Seja sistema porque você tem ideias para contribuir e quebrar os paradigmas que forem necessários.
Então a partir do momento que cada um de nós enquanto sistema, enquanto professores, enquanto pai de aluno focarmos no principal do processo que é o aluno, isso pensando nele enquanto profissional, ser humano, criança, adolescente, respeitando suas peculiaridades, sua faixa etária. Nós pensarmos nisso com valores e não nos moldes que está se perpetuando: ‘cada um por si e deus por todos’”, ressalta Narjara Benício.
“Quando o pessoal cair na real e perceber que não tem outra forma de se ter um futuro melhor sem ser pela educação, aí vai acontecer a grande diferença, a grande melhoria”, destaca Franciele de Brito, aluna.
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