"A história do Brasil é uma história tristíssima. É a história do analfabetismo." A frase é do escritor Pedro Bandeira e resume o que ele pensa sobre o fato de o país não ser uma potência mundial.
Homenageado deste ano pela Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto (313 km de SP), Bandeira fez uma palestra neste sábado (8) no evento, que continua na cidade até o próximo dia 16.
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O escritor é um dos autores infanto-juvenis mais lidos do país. Ganhou o prêmio Jabuti da categoria, em 1986, por "O Fantástico Mistério de Feiurinha" --cuja adaptação para o cinema, feita pela apresentadora de TV Xuxa, é criticada por ele.
Para Bandeira, o Brasil perde destaque no cenário mundial para países europeus e os EUA justamente porque sua população começou tardiamente a ler.
Os países que fizeram a Revolução Industrial a partir dos anos 1700 são sociedades importantes --não só econômica como culturalmente-- até hoje porque cultivaram o gosto pela leitura desde o século 15.
"São países protestantes [Alemanha e Inglaterra, por exemplo], que receberam influência de [Martinho] Lutero [1483-1546]", afirmou.
Com a Reforma, movimento religioso do início do século 16, esses países começaram a ler já naquela época. Isso porque, diz o escritor, os protestantes acreditam que o fiel deveria ler, ele mesmo, a palavra de Deus.
"Assim, a Bíblia foi traduzida [para o alemão inicialmente] e a população em geral começou a ler." Até aquela época, o texto religioso era escrito em latim e era lido apenas pelo Clero.
Já nas nações católicas, como Espanha e Portugal, diz o escritor, não se exigia a leitura da Bíblia desde os séculos 15 e 16.
"[Por isso] O Brasil é um país fraco porque não sabe ler nem nunca soube ler", disse Bandeira. Hoje, completa, o Brasil importa ração de cachorro com soja brasileira.
'BANDIDOS E ASSASSINOS'
O escritor refuta a palavra "colonização" para o período pós-1500 e critica os portugueses.
Segundo Bandeira, o Brasil foi "invadido" por "bandidos e assassinos" de Portugal, país definido por ele como "o mais fraco da Europa" na época e hoje.
"Essas pessoas [os portugueses] vinham para cá [a partir do século 16] para enriquecer e roubar. Não queriam fazer um país."
Márcia Ribeiro/Folhapress | ||
Conferência do escritor Pedro Bandeira no Theatro Pedro 2º, durante a Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto |
Na palestra, dada para cerca de mil pessoas, Bandeira citou várias vezes como potência mundial os EUA, nação que foi colonizada pelos ingleses e que também recebeu a influência protestante.
LITERATURA UNIVERSAL
Autor de mais de 70 livros, Bandeira está completando 30 anos de carreira como escritor. Seu primeiro livro, "O Dinossauro que Fazia au-au", foi lançado em 1983.
Seu maior sucesso editorial foi com a série Os Karas, com livros como "A Droga da Obediência" e "Anjo da Morte".
Para entender melhor o universo infanto-juvenil, Bandeira também se tornou estudioso de psicologia e educação.
Na palestra, disse com orgulho que se vê como um escritor atual porque muitas das suas obras foram escritas antes da era dos computadores, da internet e dos celulares. "E até hoje meus livros tocam as pessoas."
Segundo ele, isso se dá porque a literatura é universal, atual. Porque fala sobre o que nunca muda: "as pessoas continuam tendo medo, inveja, paixão, esperança e ciúme", como sempre na história da humanidade.
"A melhor peça já escrita sobre amor é 'Romeu e Julieta'. A melhor sobre ciúme é 'Otelo'. E já têm mais de 400 anos", afirmou, referindo-se às obras de William Skakespeare (1564-1616). "Elas falavam sobre as pessoas. É o que importa [na literatura]."
'O LIVRO É DO LEITOR'
Na visão de Bandeira, por falar das pessoas, os livros não pertencem a seus autores.
Para ilustrar seu pensamento na palestra, ele lembrou de uma cena que ocorreu quando participou de uma bienal do livro.
No evento, viu um menino caminhando pelo local com uma obra dele debaixo do braço e comentou: "que legal, você está com um livro meu!" O garoto, contrariado, retrucou: "não! O livro é meu".
"[Por isso digo:] A obra é do leitor, não é do escritor."
'OTIMISMO MODERADO'
Apesar da crítica ao analfabetismo do país, Bandeira reconhece que a situação educacional brasileira melhorou.
"No início do século passado, só 10% da população era alfabetizada. Quando comecei a estudar, nos anos 1950, metade ainda era analfabeta e talvez, dos alfabetizados, só 30% tinham condição de ler um livro."
Hoje, conta o escritor, quase todas as crianças estão na escola. Agora, porém, o desafio é melhorar a qualidade dessas escolas para recuperar o atraso em relação aos países desenvolvidos.
Bandeira, que foi professor do ensino médio nos anos 60, acredita que a escola precisa dar atenção a todas as crianças, especialmente as que têm mais dificuldade de aprendizado.
Professor, disse na palestra, é como médico: quando pede um exame é para ter um diagnóstico da doença. A partir dele, trabalha para melhorar a vida do paciente, com remédio ou tratamento.
"A nota não pode ser um atestado de óbitos", disse. "Não temos de lutar [apenas] pela educação em geral. Temos de lutar pelo letramento da população."
Só assim, um número maior de pessoas, num futuro próximo, poderá fazer o país alcançar um desenvolvimento de fato, como as potências mundiais.
"Professor não deveria fazer greve por aumento de salário. Nós, sociedade, é que tínhamos de fazer essa greve por aumento de salário dos professores. Nós somos os maiores interessados."
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