sábado, 4 de junho de 2011

Edição de domingo, 5 de junho de 2011 Entrevista >> Ivonildo Rêgo

Edição de domingo, 5 de junho de 2011 

Entrevista >> Ivonildo Rêgo



Há apenas duas semanas o ex-reitor Ivonildo Rêgo, 58 anos, fez a transmissão de cargo do seu 3º mandato à nova reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Ângela Paiva. Ele praticamente ainda não teve tempo de descansar e já faz planos para o futuro. Descontraído, recebeu a reportagem de O Poti/Diário de Natal em sua casa e opinou como deve ser o perfil de um bom gestor da educação, fazendo recomendações aos políticos e governantes de priorizar o ensino básico sob pena de prejudicar o desenvolvimento das futuras gerações. Definindo-se como um homem da área de ciência e tecnologia, ele diz que, apesar de convites para ingresso na vida política, pretende dar sua contribuição à sociedade no âmbito da própria universidade. Chegou a ser convidado para o cargo de secretário de Educação do Estado, mas recusou. Disse faltar compromisso dos governantes, que, segundo ele, não priorizam a educação, e sugere que se espelhem no presidente Lula, que fez profundas mudanças na área, inclusive ao propor a priorização da educação, através do investimento no setor dos recursos do pré-sal. Ele acusa gestores do Poder Executivo e deputados, principalmente do Nordeste, de quererem fatiar os recursos que virão da exploração do petróleo em águas profundas para entrar na vala comum do custeio do Estado. "Isso é um crime contra a nação", condena.


Foto: Fábio Cortez/DN/D.A Press
O Poti/Diário de Natal - Qual o futuro de Ivonildo a partir de agora?

Ivonildo Rêgo - Vou ficar à frente do projeto Metrópole Digital, que terá uma grande repercussão social. É um projeto que busca criar um pólo tecnológico na área de informática, com investimento da ordem de R$ 36 milhões, em que vamos atuar na área de software para gestão pública. Queremos encubar empresas agora para se adaptar ao âmbito estadual e municipal. É o maior prédio do campus universitário e trabalha com atualmente 1.200 jovens de 14 a 17 anos. A primeira turma está terminando agora, os alunos passam um ano estudando informática e inglês e saem capacitados para ir para o mercado de trabalho ou para seguir na carreira de informática, fazendo curso de graduação. O Instituto Metrópole Digital terá uma grande interface na sociedade porque a intenção é de que haja a geração de empresas encubadas, como tem acontecido na área de petróleo e gás e possa atuar diretamente na comunidade.

O senhor é filiado a algum partido? Recebeu propostas para uma possível candidatura?

Não sou filiado a nenhum partido, apesar de ter aproximação histórica com o PT, todo mundo sabe disso. As pessoas têm especulado uma candidatura, o que me deixa até vaidoso, porque isso termina sendo o reconhecimento do trabalho feito à frente da universidade. Não tenho pretensões, mas a partir da universidade é possível contribuir para o desenvolvimento do estado. Com um orçamento superior a R$ 1 bilhão, que produz e aplica conhecimentos, a UFRN é um pólo para o desenvolvimento do estado e, pela minha história e envolvimento nas questões nacionais de educação, ciência e tecnologia, a partir da universidade, pretendo levar uma contribuição forte à sociedade.

Essa resistência ao ingresso na política é decorrente do desgaste dos nossos representantes? O Rio Grande do Norte é carente de bons políticos?

Esse é um problema do país como um todo, mas é fundamental o envolvimento de pessoas com boas experiências de políticas públicas, que tenham a percepção do que é importante e estratégico para o desenvolvimento do estado e do país. Goste ou não da política, é nela que as coisas se definem.

Você saiu de uma gestão reconhecidamente como de sucesso e, por outro lado, vemos que nesse período a gestão da educação municipal e estadual podem ser consideradas desastrosas. O que falta para os nossos gestores?

Toda gestão tem que ser analisada de forma histórica. De um modo geral, educação é algo que tem que se investir para ter retorno em longo prazo, 15 e 20 anos. As administrações que temos tido ao longo dos anos não têm tido a percepção de que educação é um investimento a longo prazo. No Governo Federal, Lula fez da educação uma forte prioridade. Durante o governo dele, o sistema ligado ao Governo Federal, as escolas técnicas e as universidades, tiveram um crescimento nunca visto na história dessas instituições.

Como você analisa a qualidade dos professores do ensino fundamental e médio que preparam alunos para a universidade?

É preciso que nossos gestores entendam que a educação básica não mudará se não mudar a realidade salarial dos professores. Precisamos quebrar o ciclo vicioso de que os piores alunos da educação básica vão para a universidade fazer licenciatura. Aí eles viram professores que são justamente os que vão alimentar a educação básica. Os melhores da universidade não querem ser professores não é por falta de vocação ou de interesse, é porque eles não veem perspectivas. Até porque o esforço que eles gastam para fazer uma licenciatura nas áreas de matemática e física é o mesmo que gastariam para fazer uma engenharia, mas eles preferem o caminho mais viável. Precisamos mudar de círculo vicioso para círculo virtuoso, para que os bons alunos virem professores.

Diante da problemática, há uma solução para a educação básica no Brasil?

Sim, temos uma última chance. E se não resolver, esqueça a perspectiva de se transformar em um país desenvolvido. Não existe nenhum exemplo no mundo de país que se desenvolveu que de fato não resolveu o problema de educação e não se criou uma estruturaforte de produção de conhecimento. Sem educação, ciência e tecnologia, não se tem exemplo de sucesso. Coreia, China e outros países asiáticos todos eles estão baseados no apoio à ciência e tecnologia. Há um gargalo forte na educação básica e não adianta só investir em educação fundamental, ou média, é todo um sistema desde a educação infantil à pós-graduação porque é na pós, mestrado e doutorado que se forma o professor da graduação. A última chance que a educação no Brasil tem é a utilização dos recursos do Pré-sal, que é uma grande riqueza capaz de equacionar essa dívida histórica. Na proposta do próprio pré-sal, o presidente Lula enfatizou a priorização da educação, mas os governadores e deputados querem fatiar esses recursos para entrar na vala comum do custeio dos estados. Isso é um crime contra a nação. Esses recursos têm que ser usados para uma área estratégica que resolve o problema da cidadania, do setor produtivo e o equacionamento do desenvolvimeto econômico e social do país.

Sobre o Pré-sal, que recado daria para os governantes do Nordeste?

A educação no Brasil é vergonhosa. Quando se pega os testes de avaliação internacional como o PISA e outros, os nossos dados são vergonhosos e, no que se refere ao Nordeste, é a vergonha dentro da vergonha da educação no Brasil. E os governantes e políticos da região é quem deveria estar defendendo esses recursos para a educação, mas o problema é que, como são recursos federais, viriam carimbados e teriam que ser aplicados realmente em educação e não teria como as prefeituras e governos estaduais fazerem malandragem ou desvio dessa verba. O maior beneficiado é o Nordeste, que tem os piores indicadores da educação do país.

Como analisa a destinação de recurso para educação no Brasil? Os 25% das receitas dos municípios não são suficientes? Defende também os 10% do PIB, como fez Amanda Gurgel?

Juntando os 25% do município com os 18% do governo federal chega-se somente a 5% do PIB. Países que resolveram seu problema da educação começaram destinando 10% do PIB. Está se discutindo o Plano Nacional de Educação e a proposta do governo é de sair de 5 para 7% do PIB no plano de dez anos. Na verdade, os 10% não é só bandeira defendida pela professora Amanda Gurgel, é de todas as entidades de educadores do país. A Conferência Nacional de Educação e a UNE, reitores e demais instituições ligadas à educação também defendem. Mas na hora que subir o índice tem que enxergar fontes de recursos. Por isso que aí volta a questão do pré-sal, para criar condições necessárias de aplicabilidade.

Com relação à gestão da escola pública. Muitas escolas pecam por escolher diretores ainda despreparados para administrar?

Sim, e essa é uma boa discussão, acho que poderia se combinar a escolha da comunidade com cobranças do ponto de vista do perfil e cobrança de metas que, se o getsor não cumprir, ele deixe o cargo. Pode-se até eleger o diretor da escola que cuida da parte acadêmica, mas se pode ter um diretor administrativo que não precise estar no processo de escolha. Mas as eleições diretassão interessantes para envolver família e comunidade escolar, até porque antes das eleições diretas, a situação das escolas era pior. Esse era o mesmo questionamento que se fazia na universidade, mas fomos aperfeiçoando e melhorando o perfil dos candidatos. Só pode ser candidato a reitor quem tem doutorado e se exige uma forte qualificação acadêmica. Na universidade se combinou de fato a participação da comunidade com um projeto de responsabilidade. Mas quero ressaltar novamente, isso tem que combinar com a valorização do professor.

Você foi convidado para o cargo de secretário da Educação do Estado e recusou, depois indicou Betânia Leite. Agora, após toda essa greve que atinge o estado e a primeira queda de braço com os educadores, não acha que ela entrou numa fria?

Betânia é o melhor quadro que o Estado tem para cuidar da educação básica, é a pessoa mais bem preparada que conheço. Agora sei que ali é um desafio imenso. Precisa de apoio da sociedade e do próprio governo, além de ter a clareza de pensar em médio prazo. Qualquer governante que pensar em colher resultados a curto prazo faz mal à educação e ao próprio governo. Eu sugeri e fiz apelo para que ela aceitasse porque educação é um desafio. Eu diria a ela hoje que faça propostas aos professores dentro dos limites do governo, mas que pense em quatro anos para tirar desse estado de greve, porque ambiente de greve é péssimo para o professor, péssimo para o estado e péssimo para a sociedade.

Os problemas com relação ao vestibular desse ano vão forçar mudanças no exame?

Não, o argumento de inclusão está consolidado, é uma questão de justiça. Não tem retorno. Na verdade, 10% é pouco para quem estudou sem condições nenhuma. Comparando o meu filho, que estudou numa boa escola particular, um colega dele que estudou numa escola de péssimas condições de um bairro de periferia, o que damos é 10% de diferença de um para o outro. As condições que ele teve, o ambiente familiar e uma escola de qualidade colocou ele muito mais que 10% à frente do aluno da escola pública. Esse cara que com 10% conseguiu acompanhar a quem estudou na melhor escola particular, certamente é melhor do que meu filho porque a diferença deles não é só 10%, mas uma diferença de ambiente familiar, acesso a bens culturais, escola, língua, escola particular, reforço, livros, informática, etc.
FONTE: DIÁRIO DE NATAL.




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