As lendas e a atualidade
Cláudio Emerenciano [professor da UFRN]
As lendas. Sonhos que se confundem com a realidade. Lições que, por toda a vertente dos tempos, projetam magnitude, sensibilidade, perspicácia e capacidade interpretativa da condição humana. O universo dos seus sentimentos. Sempre capazes de elevá-la a planos inalcançáveis e indevassáveis. O desconhecido sempre foi e será o animus, a inspiração, a aventura, a curiosidade e o desafio para o homem superar a si mesmo. Por isso os poetas e escritores em geral, desde Homero, consagram esse âmbito inesgotável. Nele identificaram sentimentos, emoções, ideais, devaneios, ações, ilusões, esperanças e criações de uma dimensão intemporal. Georg Luckács, em sua obra-prima, "A teoria do romance", essencial à compreensão da literatura em todos os tempos, ensina que "A Ilíada" e a "Odisséia", a "Eneida", "As metamorfoses", "A Divina Comédia" e "D. Quixote de la Mancha", amalgamaram ficção e realidade, além de estabelecerem vínculos e padrões na criação literária, escrita ou oral, em todas as culturas e povos.
Ulisses superou dificuldades inimagináveis para regressar ao seio de sua terra e sua família. Sua epopéia deu conteúdo e forma à "Odisséia". A poética ocidental se inspirou, em termos épicos, na possibilidade da lenda animar e induzir a realidade. Dessa forma, Ulisses se sucedeu e se renovou na História. Não se repetiu. Apenas comprovou que o herói milenar era o mesmo. E, num futuro quase remoto, ousaria pisar o solo, até então inexpugnável, da lua. As conquistas científicas e tecnológicas do nosso tempo foram vaticinadas na literatura. De certo modo, o "admirável mundo novo" no qual vivemos, com suas fantásticas transformações e impactantes alterações nas relações humanas, contradições e perplexidades, tudo emergiu da imaginação, das ilusões e dos sonhos.
No Quênia, onde Ernest Hemingway se inspirou para o seu monumental "As Neves do Kilimanjaro", o processo de independência transcorreu de modo original e invulgar. Jomo Kennyata, africano de formação inglesa, há mais de 50 anos, procurou sensibilizar e conscientizar seus patrícios, de heterogênea cultura tribal, contando-lhes a "Lenda do monte Kênia". Um dia, o elefante fez um pacto com o nativo. Do mesmo modo que o africano não iria caçar, nem pescar, nas áreas de pastagem do animal, este se comprometia em respeitar as áreas adjacentes à sua casa, onde predominava uma agricultura de subsistência. Porém, numa noite, no rigor incomum de chuvas e trovoadas, o elefante veio e destruiu as plantações e a casa do frágil e indefeso homem. Destruiu-lhe tudo. Na simbologia, o elefante era o europeu invasor e dominador. O esbulhado nativo era detentor da cidadania original do lugar. Tinha cultura própria. Povo incrédulo e ingênuo, vítima da exploração por séculos de dominação colonial. Nem tudo cessou. Até agora...
Esses fatos, nesta era de domínio da Internet e da "aldeia global", singelamente podem explicar a manipulação da opinião pública, através do uso e abuso dos meios de comunicação de massa. Principalmente quando sonegam à população informações para o seu discernimento sobre questões vitais à sua vida, ao futuro do seu país e do planeta. O contraponto atual foi antevisto por Aldous Huxley em "A ilha". Do mesmo modo que egoísmos e insegurança inspiraram Elias Canetti em "Auto de Fé".
Talvez, apesar da resistência de certos meios de comunicação, especialmente no âmbito das redes de televisão, a transmissão oral, boca a boca, ouvido a ouvido, ainda valha a pena. A divulgação e o proselitismo de lendas, que estão na alma do nosso povo e de nossa História, ainda podem ser pedagogia útil, viável e adequada.
Não será em vão que Ulisses, modernamente, transfigure-se. Reassuma seu heroísmo para clamar por justiça, bom senso, ética e compromisso com o presente e o futuro. As lendas não se repetem. Renovam-se. Atualizam-se ao sabor dos ideais e dos sonhos que, imutavelmente, projetam a grandeza do ser humano. Mudam apenas as circunstâncias. Que sucubem pelo peso dos sentimentos e das relações humanas. O que se clama mais no mundo de hoje? A palavra "humanidade" enfeixa tudo: densidade .
As lendas. Sonhos que se confundem com a realidade. Lições que, por toda a vertente dos tempos, projetam magnitude, sensibilidade, perspicácia e capacidade interpretativa da condição humana. O universo dos seus sentimentos. Sempre capazes de elevá-la a planos inalcançáveis e indevassáveis. O desconhecido sempre foi e será o animus, a inspiração, a aventura, a curiosidade e o desafio para o homem superar a si mesmo. Por isso os poetas e escritores em geral, desde Homero, consagram esse âmbito inesgotável. Nele identificaram sentimentos, emoções, ideais, devaneios, ações, ilusões, esperanças e criações de uma dimensão intemporal. Georg Luckács, em sua obra-prima, "A teoria do romance", essencial à compreensão da literatura em todos os tempos, ensina que "A Ilíada" e a "Odisséia", a "Eneida", "As metamorfoses", "A Divina Comédia" e "D. Quixote de la Mancha", amalgamaram ficção e realidade, além de estabelecerem vínculos e padrões na criação literária, escrita ou oral, em todas as culturas e povos.
Ulisses superou dificuldades inimagináveis para regressar ao seio de sua terra e sua família. Sua epopéia deu conteúdo e forma à "Odisséia". A poética ocidental se inspirou, em termos épicos, na possibilidade da lenda animar e induzir a realidade. Dessa forma, Ulisses se sucedeu e se renovou na História. Não se repetiu. Apenas comprovou que o herói milenar era o mesmo. E, num futuro quase remoto, ousaria pisar o solo, até então inexpugnável, da lua. As conquistas científicas e tecnológicas do nosso tempo foram vaticinadas na literatura. De certo modo, o "admirável mundo novo" no qual vivemos, com suas fantásticas transformações e impactantes alterações nas relações humanas, contradições e perplexidades, tudo emergiu da imaginação, das ilusões e dos sonhos.
No Quênia, onde Ernest Hemingway se inspirou para o seu monumental "As Neves do Kilimanjaro", o processo de independência transcorreu de modo original e invulgar. Jomo Kennyata, africano de formação inglesa, há mais de 50 anos, procurou sensibilizar e conscientizar seus patrícios, de heterogênea cultura tribal, contando-lhes a "Lenda do monte Kênia". Um dia, o elefante fez um pacto com o nativo. Do mesmo modo que o africano não iria caçar, nem pescar, nas áreas de pastagem do animal, este se comprometia em respeitar as áreas adjacentes à sua casa, onde predominava uma agricultura de subsistência. Porém, numa noite, no rigor incomum de chuvas e trovoadas, o elefante veio e destruiu as plantações e a casa do frágil e indefeso homem. Destruiu-lhe tudo. Na simbologia, o elefante era o europeu invasor e dominador. O esbulhado nativo era detentor da cidadania original do lugar. Tinha cultura própria. Povo incrédulo e ingênuo, vítima da exploração por séculos de dominação colonial. Nem tudo cessou. Até agora...
Esses fatos, nesta era de domínio da Internet e da "aldeia global", singelamente podem explicar a manipulação da opinião pública, através do uso e abuso dos meios de comunicação de massa. Principalmente quando sonegam à população informações para o seu discernimento sobre questões vitais à sua vida, ao futuro do seu país e do planeta. O contraponto atual foi antevisto por Aldous Huxley em "A ilha". Do mesmo modo que egoísmos e insegurança inspiraram Elias Canetti em "Auto de Fé".
Talvez, apesar da resistência de certos meios de comunicação, especialmente no âmbito das redes de televisão, a transmissão oral, boca a boca, ouvido a ouvido, ainda valha a pena. A divulgação e o proselitismo de lendas, que estão na alma do nosso povo e de nossa História, ainda podem ser pedagogia útil, viável e adequada.
Não será em vão que Ulisses, modernamente, transfigure-se. Reassuma seu heroísmo para clamar por justiça, bom senso, ética e compromisso com o presente e o futuro. As lendas não se repetem. Renovam-se. Atualizam-se ao sabor dos ideais e dos sonhos que, imutavelmente, projetam a grandeza do ser humano. Mudam apenas as circunstâncias. Que sucubem pelo peso dos sentimentos e das relações humanas. O que se clama mais no mundo de hoje? A palavra "humanidade" enfeixa tudo: densidade .
FONTE: TRIBUNA DO NORTE.
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